Desassossegados

Desassossegados do mundo correm atrás da felicidade possível, e uma vez alcançado seu quinhão, não sossegam: saem atrás da felicidade improvável, aquela que se promete constante, aquela que ninguém nunca viu, e por isso sua raridade.

Desassossegados amam com atropelo, cultivam fantasias irreais de amores sublimes, fartos e eternos, são sabidamente apressados, cheios de ânsias e desejos, amam muito mais do que necessitam e recebem menos amor do que planejavam.

Desassossegados pensam acordados e dormindo, pensam falando e escutando, pensam antes de concordar e, quando discordam, pensam que pensam melhor, e pensam com clareza uns dias e com a mente turva em outros, e pensam tanto que pensam que descansam.

 

(Martha Medeiros)

 

Published in: on novembro 25, 2009 at 7:41 pm  Deixe um comentário  

Congelei meu rosto
para suportar o frio
que vem de fora de mim.
Fiz uma máscara risonha,
modelada com a dor
de disfarçar meus sentimentos.

E as pessoas me aceitaram,
apreciando o ruge e o batom,
a coloração do rímel nos meus olhos
cujo brilho sugere a umidade
de um pranto a querer-se insinuar.

Aceitaram até a palidez
que não pude esconder,
as rugas tensas da testa,
a escuridão do olhar.

E atrás do riso estridente
que irrompe alto e banal,
preso em represa
de estática energia,
debatem-se lágrimas revoltas
de uma revolta impossível,
formando uma barreira que
– até quando? –
me impede de sair deste lugar.

E essas lágrimas apagam a fogueira
que me incendeia o coração por dentro,
para que não derreta o gelo
tão duramente esculpido,
o gelo do meu rosto
que é como o mundo quer…

. Roberta Wollen.

Published in: on setembro 18, 2008 at 11:47 pm  Comments (1)  

Meio estado estranho e indecifrável

Clarice escrevia para entender, ela sempre precisou das palavras impressas para não enlouquecer de vez…
Talvez seja por isso eu que ande com tantas dificuldades em verbalizar o que sinto… afinal uma clareza de realidade é sempre um risco.
Um risco que não sei se estou disposta a correr. É que ando meio solta e frágil feito papel na ventania…Não tenho porto, parada, não tenho ânimo.
Estou cansada. Infinitamente cansada. Cansada como Pessoa…
De que estou cansado, não sei:
De nada me serviria sabê-lo,
Pois o cansaço fica na mesma.
A ferida dói como dói
E não em função da causa que a produziu.
Sim, estou cansado,
E um pouco sorridente
De o cansaço ser só isto —
Uma vontade de sono no corpo,
Um desejo de não pensar na alma,
E por cima de tudo uma transparência lúcida
Do entendimento retrospectivo…
E a luxúria única de não ter já esperanças?

Do que estou cansada não sei. Ou sei bem demais.

.

Published in: on setembro 18, 2008 at 11:40 pm  Deixe um comentário